“Versos não se escrevem para leitura de olhos mudos” [Mario Quintana]

quinta-feira, 10 de março de 2011

A Poesia que vem de Angola


DEBITAS-ME SILÊNCIOS…


Debitas-me silêncios
E reticências…
Quando na dureza da voz macia
Dos teus lábios
Ornamentas flores e lavras
No silêncio das tuas palavras!

Debitas renúncias
E crucificas-me as mazelas:
Teu olhar fala-me paisagens
Rosas e margens
A brincarem às estrelas
Quando finges silêncios e reticências…

E na dureza da ausência
Um sopro distante
Angustiante
Um silêncio de melancolia
Na voz da noite do luar
Uma eternidade nos dias a folhear!

Debitas-me silêncios
E açoites de negativas
Em palavras altivas
À noite murmuras balbucios
Ao frio d’almofada
E lamurias nossa paixão crucificada!

Asseveras-me a justiça
A transbordar motivos mil
Flechas e açoites
No mistério do frio das noites;
Uma taça
E champanhe: a noite convida-nos dócil!


Décio Bettencourt Mateus

in "Xé Candongueiro".


ÓLUSAPÒ WA SEKULU LUÍJI (Estória do Sekulu Luíji)



Sekulu (Nao é o Sekulu Luíji)



ÓLUSAPÒ WA SEKULU LUÍJI


NAMIBIANO FERREIRA



O Sekulu Luíji contava estórias
e no forno de barro assava leitões
para ganhar alguns magros tostões
era o melhor assador das redondezas.


As estórias do Sekulu Luíji
eram poemas encantados
que nenhum poeta consagrado
haverá algum dia de escrever.


O Sekulu Luíji contava estórias
e no forno de barro assava leitões
para ganhar alguns magros tostões.
As suas estórias eram encantos
que nem todos sabiam escutar...
era o melhor contador de estórias
das redondezas: – Ólusapò wá...
ólusapò wá kandimba kwénda hósi...


Um dia o Sekulu Luíji desapareceu.
O Sol e a Lua somaram os dias...
e o Sekulu Luíji não mais voltou
(nunca mais haveria de voltar).
E as estórias só desapareceram
contadas na boca do Sekulu Luíji.
As estórias, o cerne e alma delas,
ficaram retidas, porém, na ventania,
voz oral do vento que nem muloje
consegue fazer calar no feitiço.


– Xé mano, sente só, Sekulu Luíji
desapareceu. Foi karkamano
foi karkamano que pegou
foi karkamano que matou
Sekulu Luíji – aiuê, aiuê, Suku yanguê!
Murmurava o povo no cicio da brisa medrosa.


O Sekulu Luíji nunca mais voltou
nunca, nunca mais... nunca mesmo.


Mas à noite, nos meus sonhos,
quando volto de novo a ser candengue,
Sekulu Luíji vem contar-me estórias
e ri muito, um riso muito cheio de vida,
um riso a fazer bailar o ouro das estrelas
como no tempo em que me ensinava,
na mangonha das tardes, a xingar em umbundu
sob o olhar reprovador e muxoxo censura
dos kotas e outros sekulus sisudos.


E nos meus sonhos, quando ele ri muito,
muito de fazer bailar o ouro das estrelas,
a sua boca solta-se no algodão todo sorriso de marfim.
Ele é um anjo negro na plumagem alada do brilho
a reluzir, a brilhar uma luz tão intensa e tão forte
que a noite do sono se transforma num dia de sol.


As estórias que ele me conta nos meus sonhos
transformo-as eu, depois, em versos e poemas acontecidos
no cetim onírico da poesia que timidamente faço acontecer.
Mas são pobres os poemas acontecidos perante as cores
e missangas, riquezas e silêncios, gestos e momentos
que o meu mestre tão sabiamente sabe criar e contar
na boca sem escrita das bikuatas do verbo e do vento...
........................................................................................

Olusapo lwápwá (a estória terminou)



Namibiano Ferreira

 
Glossário:

 

Aiuê, aiuê, Suku yanguê! – Ai, ai, meu Deus! Em umbundu.
Bikuatas – Carga, pertences, haveres, bagagens. O mesmo que imbambas.
Candengue (kandengue) – Criança, criancinha.
Karkamano – Nome pejorativo que se dá, em Angola, aos Sul Africanos brancos.
Kotas – São os mais-velhos, homens respeitados.
Mangonha – Preguiça.
Muloje – Feiticeiro.
Muxoxo – Barulho característico que se faz, fazendo passar o ar entre a língua e os dentes, verbo muxoxar. O muxoxo tem uma conotação de sensura, reprovação ou desdém.
Ólusapò wá... – Esta é a estória... (umbundu).

Ólusapò wá kandimba kwénda hósi... –Esta é a estória da lebre e do leão... (umbundu)
Sekulu – Ancião. Deve ler-se com “e” aberto recaindo a sílaba tónica na segunda sílaba, (selu). 



Rastos na linha do farol


Gociante Patissa


Reincidente olhar inquieta-se
à volta do pingo de luz
aquele tímido ponto veludo
quando o céu todo é negra nuvem


Aquela luz
para lá do mar
útero da mesma aragem
que outras velas vai apagar
ainda há-de ser minha
antes que caia do céu a manhã e o fim do cenário
ou façam-me tudo então
menos perdoar.

Durante o evento "Piaget Fashion Day", Benguela

Pág. 139


In III Antologia de Poetas Lusófonos, Folheto Edições e Design, Leiria - Portugal, 2010


RECORDANDO



ANTÓNIO JACINTO DO AMARAL MARTINS

Oh! Meu Golungo em que a floresta assume
Graças infinitas; doce perfume
Que o Zenza lendário vem beijando
Recordando fatal amor tão nefando!

Zenza caprichoso, me vens contando,
Quando sereno te estava fitando,
Uma história de louco ciúme,
Numa noite de vibrante ciúme.

Em que Ela, embalada, terna e amante
Em meus braços, chorosa e anelante
Me jurava amor eterno. Tão querida!

(Sem indicação de local e data)

Nota: O manuscrito, em papel quadriculado fino e escrito a verde, provavelmente parte de uma carta, contém a seguinte dedicatória: “dedicado à terra da Natália e do Reinaldo”, dois irmãos do poeta.
CANÇÃO DE SALABU

MARIO PINTO DE ANDRADE

Nosso filho caçula
Mandaram-no pra S. Tomé
Não tinha documentos
Aiué!

Nosso filho chorou
Mamã enlouqueceu
Aiué!

Mandaram-no pra S. Tomé
Nosso filho partiu
Partiu no porão deles
Aiué!

Mandaram-no pra S. Tomé
Cortaram-lhe os cabelos
Não puderam amarrá-lo
Aiué!

Mandaram-no pra S. Tomé
Nosso filho está a pensar
Na sua terra, na sua casa
Mandaram-no trabalhar
Estão a mirá-lo, a mirá-lo
—Mamã, ele há-de voltar
Ah! A nossa sorte há-de virar
Aiué!

Mandaram-no pra S. Tomé
Nosso filho não voltou
A morte levou-o
Aiué!
 

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

O Poeta do Mês

 

  Alexei Bueno



TROTTOIR
 
Os homens vão e vêm na íris das putas
E nenhum pára.
Nenhum ouve suas vozes dissolutas
Nem as encara.

São inúteis as frases mais argutas
Ou sobre a cara
A tinta, o pó. E a vida, quantas lutas,
Como está cara!

Ao longe os filhos, os filhos das putas
Com ladrões, ou pinguços, ou recrutas,
Na noite avara

Dormem cingindo palhaços birutas,
Bonecas louras relesmente hirsutas
Que a lua aclara.




NOTURNO


Sobre os seus saltos, sob a lua cheia,
Os travestis desfilam como garças,
Farsa carnal em meio às outras farsas
Que o mundo absurdo no aéreo chão semeia.

São deusas-mães usando liga e meia,
De ancas imensas, madeixas esparsas,
De enormes seios, piscando aos comparsas,
Buscando otários para a escusa teia.

São Vênus neolíticas chamando
Sombras confusas, entre os cães sem casa
E os negros ébrios. Seu barroco bando

Volveu, pulsante, dos tetos das grutas,
E anda na névoa, como numa vasa,
Rotundas popas balouçando enxutas.





LÁZARO
 
Cobrimos o mendigo que dormia
Com jornais, os jornais do extinto dia.

De fora só ficaram os sapatos
Cambaios, já roídos pelos ratos.

Acendemos então, junto, uma vela
E arengamos na luz branca e amarela.

Um círculo de povo já envolvia
Nosso pranto, e o pinguço nem tremia.

Volveu por fim do reino dos defuntos.
Debandada! E ele riu. Ríamos juntos.




GLÓRIA

[Lautréamont em Cantos de Maldoror]
Bêbado, às duas da manhã,
Parei na loja de ovos e aves.
Subi na grade e, em grande afã,
Cacarejei, de ecoar nas traves.

Os galos todos acordaram
Cheios de brio e, num só coro,
Com seu cacarejo enfrentaram
O meu, mais forte, mais sonoro.

Saltavam todas as galinhas.
Penas voavam loja afora.
Ligavam luzes nas vizinhas
Casas. Parti. Criara a aurora.
 

FAIT DIVERS

Carlinhos, o segurança,
O terror da Mem de Sá,
Trocou tiros num mafuá
Com o Fuinha, em plena dança.

O Fuinha perdeu a perna.
Depois morreu, no hospital.
O membro encaixou bem mal
No corpo, o que até consterna.

Carlinhos, pior que o Fuinha,
Pagou na hora o seu erro.
Três tiros. No seu enterro
Só foi a sua mãezinha.




I. M. L.

Na porta do boteco
Com flores de coroas
Que oferta às moças boas
Ele ergue o seu caneco

De alumínio gravado
Com o escudo do seu time,
E conta o último crime,
E olha o bordel fechado.

Sorrindo, no balcão,
Beberica e, prudente,
Fita a vaga onde, em frente,
Deixou o rabecão.

Então, se há um que lhe peça
Que lembre do seu carro,
Diz, dando um grosso escarro:
_ Defunto não tem pressa.




LAPA


Nesta casa antiga,
Sob estas volutas,
Como ri com as putas
Entre uma e outra briga.

Como virei copos
E extingui charutos,
Discuti com brutos,
Vaiei misantropos.

Urinei nas pias,
Vomitei nas portas,
Com passadas tortas
Vi nascer os dias.

Velha, velha casa,
Como ainda és a mesma.
(Não tens dentro a lesma
Que nos funda e abrasa.)


OCASO


Os velhos travestis estão cansados.
Suas custosas curvas se enrijecem.
No queixo a barba surge. Os seios descem
Assimetricamente orientados.

Nos braços delicados crescem músculos,
No lugar da peruca a calva aponta,
Todo o tórax se alarga, estranha afronta
Aos ombros ontem frágeis e minúsculos.

E, enfim cientes do tempo e seus esbulhos,
Dúbios, nas filas dos supermercados,
Ei-los que vão, duas vezes destronados,
Rumo ao fim, femininamente hercúleos.

Alexei Bueno está entre os melhores poetas da nossa literatura contemporânea. Profundamente impregnado de uma espécie de neo-helenismo, consegue fazer, graças a um excepcional domínio das formas poética, com que essa característica não soe como uma realidade extemporânea, mero culto ao exotismo, à nostalgia ou ao passadismo. A Grécia não é, para Alexei, uma província ancorada no passado, mas um modo de olhar e sentir a realidade em que está imerso, a nossa. Não é acúmulo, tradição museológica, mas o lugar em que se produz poiesis.

sábado, 1 de janeiro de 2011

 O Poeta do Mês
Ivan Junqueira


Tristeza






Esta noite eu durmo de tristeza.


(O sono que eu tinha morreu ontem


queimado pelo fogo de meu bem.)


O que há em mim é só tristeza,


uma tristeza úmida, que se infiltra


pelas paredes de meu corpo


e depois fica pingando devagar


como lágrima de olho escondido.






 (Ali, no canto apagado da sala,


meu sorriso é apenas um brinquedo


que a mãozinha da criança quebrou.)






E o resto é mesmo tristeza.






 Elegia Íntima






Minha mãe chorando no fundo da noite


rachou o silêncio do quarto adormecido.


Meu pai olhava o escuro e não dizia nada,


Um relógio preto gotejava barulho.






Lá fora o vento lambia as espáduas do céu.






Minha mãe chorando no fundo da noite


Apunhalou o sono de Deus.







 Madrigal






 Azul e pontual,


o céu acordou:


cada aurora


em seu horizonte.


Mas a pergunta,


Como um gládio


em riste, cravou


seu aço no vazio


— e lá, imóvel, ficou


esperando a resposta


que não raiou.






Hoje






 A sensação oca de que tudo acabou


o pânico impresso na face dos nervos


o solitário inverno da carne


a lágrima, a doce lágrima impossível...


e a chuva soluçando devagar


sobre o esqueleto tortuoso das árvores










Haicai



 Na gaiola jaz
 o pássaro
 sem espaço


 (de Opus Descontínuo)




O Poema






Que será o poema,


essa estranha trama


de penumbra e flama


que a boca blasfema?






 Que será, se há lama


 no que escreve a pena


 ou lhe aflora à cena


 o excesso de um drama?






 Que será o poema:


 uma voz que clama?


 Uma luz que emana?


 Ou a dor que algema?


  (de A Sagração dos Ossos)



   Talvez o vento saiba




Talvez o vento saiba dos meus passos,


das sendas que os meus pés já não abordam,


das ondas cujas cristas não transbordam


senão o sal que escorre dos meus braços.


As sereias que ouvi não mais acordam


à cálida pressão dos meus abraços,


e o que a infância teceu entre sargaços


as agulhas do tempo já não bordam.


Só vejo sobre a areia vagos traços


de tudo o que meus olhos mal recordam


e os dentes, por inúteis, não concordam


sequer em mastigar como bagaços.


Talvez se lembre o vento desses laços


que a dura mão de Deus fez em pedaços.




Esse punhado de ossos




Ivan Junqueira
A Moacyr Felix




        Esse punhado de ossos que, na areia,
        alveja e estala à luz do sol a pino
        moveu-se outrora, esguio e bailarino,
        como se move o sangue numa veia.
        Moveu-se em vão, talvez, porque o destino
        lhe foi hostil e, astuto, em sua teia
        bebeu-lhe o vinho e devorou-lhe à ceia
        o que havia de raro e de mais fino.
        Foram damas tais ossos, foram reis,
        e príncipes e bispos e donzelas,
        mas de todos a morte apenas fez
        a tábua rasa do asco e das mazelas.
        E ai, na areia anônima, eles moram.
        Ninguém os escuta. Os ossos choram.




[Dois poemas inéditos]


DOM QUIXOTE



Vai a passo Dom Quixote
em seu magro Rocinante.
Sancho Pança o segue a trote
pela Mancha calcinante.


Tudo é pedra, arbusto seco,
erva má, ermas masetas.
Não se escuta nem o eco
do vento a ranger nas gretas.


O que buscam o fidalgo
e o seu álacre escudeiro?
Peripécias, duelos, algo
que lhes recorde o cordeiro


quando abriu os sete selos
e fez soar as trombetas?
Buscam o quê? O que fê-los
ir tão longe em suas bestas?


Pois esse Alonso Quijano,
ao deixar a sua aldeia,
só buscava – áspero engano –
exumar o que, na teia


de suas tontas leituras,
eram duendes, hierofantes,
castelos, leões, armaduras,
dulcinéias, nigromantes


e uma Espanha onde a justiça,
há tanto um tíbio sol posto,
fosse um bem que só na liça
pudesse ser recomposto.


Mas do triste cavaleiro
era tanto o desatino
que na cuia de um barbeiro
vira o elmo de Mambrino,


nas ovelhas ao relento,
uma tropa de meliantes,
e nos moinhos de vento,
uns desgrenhados gigantes.


Dom Quixote nunca via
o que aos seus pares narrava,
pois que só lia e mais lia,
e ao ler é que se encantava.


E assim do texto as imagens
saltavam – bruscas centelhas –
no amarelo das paisagens,
no ocre encardido das telhas.


Foi quando então, claro e fundo,
percebeu que o que ia vendo
nada tinha com o mundo
sobre o qual andara lendo.




Ilusão e realidade,
heroísmo e covardia,
sensualismo e castidade,
prosa pedestre e poesia


– eis os pólos do conflito
que somente se harmoniza
no humor de um cáustico dito
que nos fustiga e eletriza.


E o que redime o manchego
não é tanto aquilo que ama,
e sim o dom de si mesmo
no amor que doa a uma dama,


sem nenhuma recompensa
que não seja a do fracasso
ou da estrita indiferença
de quem sequer viu-lhe um traço.


De fala mansa e discreta,
que ao calar é que se escuta,
seu percurso é a linha reta
entre o que tomba e o que luta.


Vai a passo Dom Quixote,
ya el pie en el estribo.
A morte agora é seu mote.
Vai a sós. Vai só consigo.


A IMORTALIDADE



O que é a imortalidade?
Um sopro que nos carrega
para os confins da orfandade,


onde o espírito se nega
e de si já não recorda
após a última entrega?


Que luz é a que nos acorda
quando a morte, em dada hora,
bate à porta e chega à borda


do ser que se vai embora,
mas crê que não vai de todo,
pois do invólucro que fora


algo fica em meio ao lodo
que lhe veste o corpo morto
com a púrpura do engodo?


E o que cabe ao que foi torto
e nunca exigiu conserto?
Irá chegar a algum porto?


Será que na alma um aperto
não lhe purgou a maldade
quando do fim se viu perto?




O que é a imortalidade?
Uma insígnia, uma medalha
com que se louva a vaidade?


Ou não será a mortalha
que te poupa só a cara
escanhoada a navalha?


Será talvez a mais rara
das obras que publicaste
ou da crítica a mais cara?


Será isto, já pensaste,
a herança em que se resume
o que aos amigos deixaste?


Esquece. Sente o perfume
de algo que se fez distante:
a mão de uma criança, o gume


de seu olhar penetrante
quando viu, no ermo do cais,
que o tempo que segue adiante


é o mesmo que volta atrás
e confunde a realidade,
e a desmantela, e a refaz.


É isto a imortalidade:
esse eterno e estranho rio
que corre em ti e te invade.


E o mais é só o pavio
de um lívido círio que arde
no insuportável vazio


que enche toda a tua tarde.




Sexto ocupante da Cadeira nº 37, eleito em 30 de março de 2000, na sucessão de João Cabral de Melo Neto e recebido em 7 de julho de 2000 pelo Acadêmico Eduardo Portella. Recebeu o Acadêmico Antonio Carlos Secchin.

Ivan Junqueira nasceu no Rio de Janeiro (RJ) em 3 de novembro de 1934. Aqui realizou seus primeiros estudos, ingressando em seguida nas faculdades de Medicina e de Filosofia da Universidade do Brasil, cujos cursos, porém, não chegou a concluir. Iniciou-se no jornalismo em 1963, como redator da Tribuna da Imprensa, tendo atuado depois no Correio da Manhã, Jornal do Brasil e O Globo, nos quais foi redator e sub-editor até 1987. Assessor de imprensa e depois diretor do Centro de Informações das Nações Unidas no Rio de Janeiro entre 1970 e 1977, tornou-se mais tarde supervisor editorial da Editora Expressão e Cultura e diretor do Núcleo Editorial da UERJ, além de colaborador da Enciclopédia Barsa, Encyclopaedia Britannica, Enciclopédia Delta Larousse, Enciclopédia do Século XX, Enciclopédia Mirador Internacional e Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro, este último editado pelo CPDOC, da Fundação Getulio Vargas. Foi também assessor de Rubem Fonseca na Fundação Rio.


Como crítico literário e ensaísta, tem colaborado em todos os grandes jornais e revistas do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, bem como em publicações especializadas nacionais e estrangeiras, entre elas Colóquio Letras, Revista do Brasil, Senhor, Leitura e Iberomania. Em 1984 foi escolhido como a “Personalidade do Ano” pela UBE. Assessor da Fundação Nacional de Artes Cênicas (Fundacen) de 1987 a 1990, no ano seguinte transferiu-se para a Fundação Nacional de Arte (Funarte), onde foi editor da revista Piracema e chefe da Divisão de Texto da Coordenação de Edições, tendo se aposentado do serviço público em 1997. Foi ainda editor adjunto e depois editor executivo da revista Poesia Sempre, da Fundação Biblioteca Nacional (1993-2002).


Conferencista, realizou palestras no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Fortaleza, Manaus, São Luís, Brasília, Recife, Porto Alegre, Passo Fundo, Florianópolis, Petrópolis, Buenos Aires, Santiago do Chile, Santiago de Compostela, Madri e Lisboa, onde, em 1994, abriu o Projeto Camões, patrocinado pelo Instituto Camões e a Fundação das Casas de Fronteira e Alorna, ocasião em que ministrou, na Biblioteca Nacional da capital portuguesa, o curso “A Rainha Arcaica: uma interpretação mítico-metafórica”, além de realizar recitais de poesia na Casa de Fernando Pessoa e no Palácio da Fronteira. No ano seguinte voltou a participar do Projeto Camões, tendo proferido conferências em Coimbra, Porto, Vila Real, Lisboa e Ponte de Sor. De 1995 a 1997 tomou parte no Projeto Ponte Poética Rio–São Paulo, de que constavam leituras comentadas de poemas de sua autoria e palestras. Ainda em 1995 recebeu da UFRJ, por unanimidade de votos, o diploma de “notório saber”, tendo ali participado também do ciclo de palestras “Os Poetas”. De 1996 a 1997 participou, como poeta e ensaísta, das “Rodas de Leitura” do CCBB e organizou, naquele último ano, com Moacyr Félix e Leonardo Fróes, as “Quintas de Poesia”, sob o patrocínio da Funarte. Em 1998 foi curador do Programa de Co-Edições da Fundação Biblioteca Nacional, que possibilitou a publicação de 35 títulos de autores das regiões Norte, Nordeste e Sudeste, onde, entre 2000 e 2003, realizou diversas conferências. Foi Tesoureiro (2001), Secretário-Geral (2002-03) e Presidente da ABL (2004-05).


Membro titular do PEN Club do Brasil, é sócio do Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro e do Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro, além de sócio de honra da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, membro do Conselho Estadual de Cultura e Grande Benemérito do Real Gabinete Português de Leitura. Recebeu vários prêmios literários: Prêmio Nacional de Poesia, do INL (1981); Prêmio Assis Chateaubriand, da ABL (1985); Prêmio Nacional de Ensaísmo Literário, do INL (1985); Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (1991); Prêmio da Biblioteca Nacional (1992); Prêmio José Sarney de poesia inédita, do Memorial José Sarney (1994); Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro (1995 e 2005); Prêmio Luísa Cláudio de Sousa, do Pen Club do Brasil (1995); Prêmio Oliveira Lima, da UBE (1999); Prêmio Jorge de Lima, da UBE (2000); e Troféu Aimberê (Personalidade Intelectual do Ano), do Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro (2004).  Em 1998 recebeu a Medalha Cruz e Souza, da municipalidade de Florianópolis, e, em 1999, a Medalha Paul Claudel, da UBE. Em 2002 foi o patrono do IV Concurso Nacional de Poesia Viva, patrocinado pelo jornal Poesia Viva. Recebeu ainda, em 2005, a Medalha Manuel Bandeira, da UBE (Seção de Pernambuco).


Em 23 de junho de 2005 participou em Paris da sessão conjunta da Academia Brasileira de Letras e da Académie Française, ocasião em que lhe foi concedida a Medalha de Richelieu, a mais alta condecoração daquela instituição. Representou o Brasil no Festival Mundial de Poesia, realizado em Santiago do Chile entre 18 e 24 de outubro de 2005. Ainda neste último ano, foram-lhe outorgados a Medalha do Pacificador Sergio Vieira de Mello, do Parlamento Mundial para a Segurança e a Paz, e o Colar do Mérito Judiciário, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.


Sua poesia já foi traduzida para o espanhol, alemão, francês, inglês, italiano, dinamarquês, russo e chinês.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O Poeta do Mês:
DECIO BETTENCOURT MATEUS

 

NEGRA DA TERRA


Negra de carapinha dura
Não estraga teus cabelos,
Me jura.
(Teta Landu*)

Minha negra brinca a gingar
Magia da kianda
Negra anda-que-anda
E ginga-que-ginga
Andar de negra é banga
Andar de negra é cântico do mar!

Minha negra ginga elegante
Nas curvas duma viola
Nas ondulações duma mbunda
Negra ginga e rola
E encanta gente
Ginga e rola a negra linda!

Ginga de negra é cântico do mundo
Não usa coisas de tissagem
Usa tranças de bailundo
A negra jovem
E ginga-que-ginga a dançar
Ginga nas ondas do mar!

Minha negra mulher cristalina
Não usa coisas de postiços
Usa carapinha
E tranças de linha
E tem magia de feitiços
A preta africana!

Minha negra beleza genuína
Ginga-que-ginga
Dança-que-dança a preta angolana
Minha negra mulher da terra
Mulher negra
Penteado à africana!

Minha negra mulher formosa, mulher cheia
Mbunda farta
Não conhece cabeleireira alheia
Usa carapinha de preta
E traz na voz a tradição negra
Traz na voz o pulsar da terra!

 

 ****

E TAMBÉM OS PEQUENOS…


E também os pequenos
virgens d’anos
e inocentes d’inocências
nas costas uma zunga d’andanças
e vivências
a deambular caminhos d’esperanças!

Também a garotada
a cavalgar avenidas
e cacos da vida
ruelas, uma zunga de vida fatigada
nas costas da mãe zungueira
a calcorrear vida vendedora!

E aspiram sol da dureza
a miudagem a brotar indigente
caminhada ambulante
Sol d’asperezas:
o meu futuro são árvores abandonadas
nos cantos da esquina da vida!

E fogem pendurados nos panos
em pernas zungueiras
lascas de zunga
a dialogar distância longa:
o meu futuro são gotas de poeiras
e lixo na inocência d’anos!

O meu futuro uma hipoteca
de fome faminta
a deambular praças barulhentas
e gente esfomeada
de ruas alagadas
o meu futuro, uma dor de fome seca!
 
 ****

FALAM INCOMPLETAS...



Falam incompletas
Tuas palavras incompletas de voz
A disparar veloz
A melodia do telemóvel:
“…Yá, mas não vai ser possível”,
Tua voz de certezas incertas!

Cantam incompletas e evasivas
Tuas gingas altivas
Nas estradas do meu mar
Falas mansas de luar
Melodia na voz do telemóvel:
“Talvez p’ra semana”. Doce nega afável!

Ondulam rios de brincadeira
Nas tuas margens
A desenharem-me nuvens
Depois teu andar chocalho
Um sorriso um brilho
Um doce ocultar desejo-ira!

Dizem-me esquivas tuas manias
Dias e depois dias de jejum e dias
A doerem-me as noites
Açoites no vazio
Do teu silêncio
Açoites em minhas incertezas inertes!

Cantam pássaros quando passas de esguelha
E teu sorriso num cora-brilha e brilha
Tua voz sussurro distante
Murmúrio ofegante
Coisas d’ondas do mar
Coisas de desejos no meu peito a latejar!
 
****

A DOR DA POESIA!


Corre os musseques distantes
Entra as kubatas
De lata
Respira o fumo da lenha
E traz o murmúrio das gentes
A batucar o cacimbo da manhã!

Escuta as gentes empobrecidas
E desentendidas em lamúrias
E gritarias
De fome
As gentes esfomeadas
E vivenciadas de vexame!

Senta-se nas tabernas barulhentas
E fedorentas
Vozes pastosas de bebedeiras
Sanzaleiras
Vozes embriagadas
A cambalearem as estradas!

Grita o lamento dos matos
O olhar cansado das distâncias
A lenha nos lombos
O cansaço aos tombos
Na dor dos dias
E umas mãos a sorrirem maus-tratos!

Traz a algazarra dos musseques atrasados
Peitos furiosos sem camisa
O ciúme
A porrada em casa
A fome
Na violência dos musseques abandonados!

Escreve a voz das gentes analfabetas
Nas ruelas das kubatas
As gentes sofridas da hipocrisia
Dum discurso polido
E armadilhado

E ao pôr-do-sol cantará seu mistério: poesia!
 
[kubata: casa pobre feita de lata, por exemplo.
musseque: bairros pobres
cacimbo: estação fria]
 

MINHA ANDORINHA



Minha andorinha
Bate asas e rasga céus
E voa a tardinha
A brincar os aléns
Das nuvens
Voa andorinha dos sonhos meus!

Minha andorinha
Navega tardes e céus
E destapa véus
De distâncias
Voa andorinha minha
Uma maré suculenta de dias!

Caminhará a face de Deus?
Ruma o infinito
Dos céus
E no meu peito
Uma nostalgia a voar
Uma nostalgia de luar!

Minha andorinha
Brinca desafio aos céus
Belisca a face de Deus
E leva minha mensagem
Selada numa nuvem
Leva andorinha minha!

Oh! Minha andorinha
Vai a desbaratar os céus
Da noitinha
E rasga eternidades
D’infinidades
Voa andorinha minha a face de Deus!


DECIO BETTENCOURT MATEUS



Naturalizado e residente em Luanda, nasceu em Menongue provincia do Kuando-Kubango, sul de Angola. Desde muito cedo me habituou-se a ouvir vozes silenciosas no seu interior. Desde muito cedo compreendeu que tinha de colocar estas vozes no papel! Membro da União dos Escritores Angolanos. Sócio correspondente n.1150 da Academia Brasileira de Poesia - Casa de Raul de Leoni.



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sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Poeta do Mês




... e veio o grito libertador
partindo os grilhões das entranhas
rompe-se o casulo

a lagarta, enfim, voava
livre e verdadeira
de pele nova
de cara nova
rumo à sua vida
outrora aprisionada


...mulher alada
borboleta solta e bela
sobrevoa os céus e as matas
povoando de risos e prazer
o peito dos que se rendem
à beleza e às delícias
de se transformar em si.
Lilian Maial

SEM PERDÃO!
                                ®Lílian Maial

É chegado o dia do não,
da recusa, de impor a vontade.
Não há que maquiar
hematomas e falsos amores.

É tempo de caminhar os passos,
deixar de temer pegadas.


Descalça!
Não há cacos suficientes,
nem desculpas.

Despida!
Não há palavras ou músicas
de atenuar feridas.

Limpa!
Não há história, nem palmatória
a macular a pele da verdade.

Livre!
Não há planos, nem fugas,
nem laços de prender escolhas.
Apenas a trilha em frente,
casa de assustar e construir.
Não há perdão para a morte,
nem há depois para a vida.




    O MEU CANTO
    Lílian Maial



    Eu canto porque sou voz
    cantor só, sem palma ou fãs.
    E também que sou feroz:
    eu canto para as manhãs.

    Canto como quem respira:
    sem fronteiras ou amarras.
    Canto como quem suspira,
    eu canto como as cigarras.

    Eu canto a palavra esperta,
    renego dor, violência.
    Eu canto essa flecha certa,
    sem dó, nem benevolência.

    Canto o riso e o amor,
    e a paz que brota: o respeito.
    Espanto o bater com a flor
    e grito o que for direito!

    Eu canto sem pejo algum,
    como quem se sabe entranha.
    E canto o lugar-comum,
    canto essa força estranha.

    Canto com o amor à vida
    e aquilo que dela é bom.
    Se morrer, canta essa amiga,
    mesmo que fora do tom.

    Eu canto esse meu sorriso,
    o sol que, na pele, arde.
    Eu canto em eterno siso,
    canto essa LIBERDADE!



LASCA

Lílian Maial
Ergo-me estranha,
sem espelhos,
sem janelas.
Na caverna,
o mau cheiro das entranhas,
vísceras dilaceradas na cozinha.
Estou em peles,
ovelha negra,
lasca de placa tectônica,
instável,
movediça,
primitiva.
A gruta é rude,
o homem é rude,
meio fera, meio fruto do meio.

Acuada,
percorro os espaços,
confiro os trapos e pedaços,
sou eu?
Em meus subterrâneos,
vulcão, lava, erupção.
Na superfície,
magma, rocha, crosta.
Na arrogância da paisagem,
movo-me,
borboleta



PORTAIS
Lílian Maial
 




Às portas da angústia,
aos pés da hipocrisia,
nada é dito,
nada é exposto,
é tudo silêncio e vazio.


 

Alada e linda,
de asas ousadas,
seu vôo é punhal
nos pássaros-corvos,
nas negras aves da escuridão.

 
As portas fechadas, o medo,
imposto pelos dias e pelos homens,

e a cruz é o preço da liberdade,
que faz crescer o resplendor,
o mesmo que atiça o brilho dos olhos
e o viço da pele.

De joelhos, o peso do fardo,
o fardo das plumas,
o prazer da verdade.

Novamente erguida,
abre-se o portal de luz,
e volta as costas ao portão
fechado de fachadas,
encontra as cores do destino,
o vôo mais lindo,
na pureza de suas escolhas.


 

 
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