“Versos não se escrevem para leitura de olhos mudos” [Mario Quintana]

quinta-feira, 10 de março de 2011

RECORDANDO



ANTÓNIO JACINTO DO AMARAL MARTINS

Oh! Meu Golungo em que a floresta assume
Graças infinitas; doce perfume
Que o Zenza lendário vem beijando
Recordando fatal amor tão nefando!

Zenza caprichoso, me vens contando,
Quando sereno te estava fitando,
Uma história de louco ciúme,
Numa noite de vibrante ciúme.

Em que Ela, embalada, terna e amante
Em meus braços, chorosa e anelante
Me jurava amor eterno. Tão querida!

(Sem indicação de local e data)

Nota: O manuscrito, em papel quadriculado fino e escrito a verde, provavelmente parte de uma carta, contém a seguinte dedicatória: “dedicado à terra da Natália e do Reinaldo”, dois irmãos do poeta.



ANTÓNIO JACINTO DO AMARAL MARTINS

Alfândega da Fé nas raízes, África no destino.

O poeta ainda jovem (Angola)
Foi com um título quase idêntico a este que em 1997 escrevi para o Boletim Municipal da Câmara Municipal de Alfândega da Fé (nº 15, Maio de 97, página 12) algumas notas sobre António Jacinto, poeta angolano, com o objectivo de dar a conhecer a sua ligação familiar a esta terra, facto que continua a ser ignorado em todos os textos biográficos que tenho encontrado.
Naquela ocasião, para além de referir que o poeta assinava quase tudo como “Ajam”, avancei igualmente com uma hipótese explicativa da origem do pseudónimo “Orlando Távora”, que utilizou como contista.
Hoje retomo a ideia daquele texto, com algumas correcções, um ou outro pormenor novo e a transcrição de vários poemas que então apenas citei e outros que me pareceram oportunos, mas com o mesmo objectivo de ligar este nome grande da literatura angolana a Alfândega da Fé.
Mantenho os três poemas então publicados e continuo a achar que dois deles, “Um Perfil” e “Recordando”, são inéditos. O terceiro poema que então publiquei, “C. Bom”, encontrava-se numa folha dactilografada pelo próprio autor e foi publicado no livro “Sobreviver em Tarrafal de Santiago” com o título “Paisagem em Frente”. Acresce referir que este poema apresenta a mesma data de “Oração”, também publicado naquela obra e que foi, como outros, escrito em memória da Mãe do autor, entretanto falecida. António Jacinto afirmou várias vezes que a Mãe teve uma influência decisiva no seu gosto pela escrita, pela leitura e pelas histórias. Mas no poema “Oração” ele revela claramente que a Mãe teve igualmente influência no desenvolvimento de outros valores que haveriam de definir o seu percurso de vida, o mesmo percurso que a levaria a um grande desgosto e muitas lágrimas derramadas, como o próprio poeta refere. Os pais de António Jacinto faleceram na década de sessenta e estão sepultados na terra natal, Alfândega da Fé.
Na edição de “Sobreviver em Tarrafal de Santiago” Campo das Letras, 1ª Edição, Março de 2000 (com ilustrações do nosso conhecido Mestre José Rodrigues) foi inserido uma pequena carta de António Cardoso, redigida em 1982, na qual dizia a António Jacinto: “Tens de publicar os teus inéditos: não é justo não os podermos conhecer (…)”. A publicação destes dois textos inéditos foi, por isso, um modesto contributo para o conhecimento da obra poética inédita de António Jacinto, justificando-se agora uma divulgação mais ampla através deste blog.
Dedicatória a Cecília Amaral
Acrescento ainda uma fotografia de António Jacinto quando jovem, provavelmente tirada no Golungo Alto (Angola) que contém uma dedicatória “À Maria Cecília” a mesma Dª Maria Cecília Amaral, prima do poeta, que em 1997 me havia facultado os textos e dado algumas informações familiares e recentemente me colocou nas mãos mais esta foto rara e acabou por me explicar melhor algumas passagens da vida do poeta e da sua família, o que permitiu agora corrigir alguns erros do texto de 1997, nomeadamente o que respeita à indicação da “Natália e Reinaldo” como “primos”, quando, de facto, se trata de dois dos seus irmãos!
António Jacinto do Amaral Martins nasceu em Luanda (“embora preferisse ter nascido no Golungo Alto”, como diz Ana Paula Tavares, em “Cinquenta Anos de Literatura Angolana”) em 28 de Setembro de 1924, filho de pais Alfandeguenses, José Trindade Martins (conhecido pelos conterrâneos pela alcunha de “trinta e três”) e de Maria Cecília Amaral Martins, que como muitos outros filhos da terra procuraram em Angola uma vida mais próspera. O Pai, “Tio Zé”, como lhe chamavam os familiares mais novos, terá chegado a Angola por volta de 1912, numa época em que o regime republicano incentivava a colonização de África. Uns anos mais tarde veio a Portugal para casar e regressou novamente, já com a esposa, a “Tia Micas”, como era conhecida também pelos familiares. Viveram sobretudo no Golungo Alto (província do Cuanza Norte) e fixaram-se definitivamente em Luanda por volta de 1945.
Tanto quanto consegui apurar, António Jacinto esteve apenas uma vez em Alfândega da Fé ainda em criança e durante muito pouco tempo.
Antes de irem para Angola, os pais viveram na casa que era já dos avós e que no passado fora a “Casa dos Távoras” em Alfândega da Fé, hoje completamente descaracterizada da sua arquitectura original. Parece-me perfeitamente aceitável dizer que o pseudónimo de “Orlando Távora” que António Jacinto utilizou foi escolhido como “lembrança” destas raízes e da sua curta passagem pela terra dos pais.
O poeta foi o terceiro filho do casal Amaral Martins. Por Angola nasceram também os irmãos mais velhos, Humberto (falecido) e Natália (que ainda reside em Luanda) e o mais novo, Reinaldo Martins, que faleceu jovem e antes do próprio António Jacinto.
Conclui os estudos liceais em Luanda, no Liceu Salvador Correia de Sá, não tendo prosseguido os estudos em Lisboa, como era seu desejo. Se isso tivesse acontecido o curso seria engenharia de minas, como nos confidenciou a prima Maria Cecília. Pelos vistos, ainda chegou a despedir-se dos amigos para vir estudar para Lisboa, mas o pai acabou por mudar de ideias e o jovem António Jacinto acabaria por se empregar como funcionário de escritório.
Cedo se destacou como poeta e contista da geração Mensagem. Um dos textos já apresentado em 1997, “Um Perfil”, data de 1945, tinha então vinte anos. O estilo ainda não é o que viria a caracterizar a sua poesia, mesmo a lírica, mas nota-se já o traço crítico e até irónico que encontramos em alguns dos seus textos posteriores e mais conhecidos.
Embora filho de colonos, António Jacinto teve um percurso de vida essencialmente marcado pelo envolvimento político contra a colonização e o regime fascista que perdurava em Portugal. Em consequência disso foi preso a primeira vez em 1959 e novamente em 1961, sendo desta vez condenado a 14 anos de cadeia (o julgamento aconteceu apenas em 1963) pena que iria cumprir no tristemente célebre campo do Tarrafal, na ilha de Santiago, em Cabo Verde. Em 1972 foi libertado, mas com residência fixa em Lisboa. No ano seguinte fugiu para Argel, indo depois integrar a guerrilha do MPLA.
Foi um destacado dirigente daquele movimento de libertação e após a independência de Angola foi Ministro da Cultura, de 1975 a 1978.
Morreu em 23 de Junho de 1991 em Lisboa e está sepultado em Luanda.
A sua obra está publicada nos seguintes livros: “Poemas”, 1961, “Vôvô Bartolomeu”, 1979, “Poemas”, 1982, “Em Kilunje do Golungo”, 1984, “Sobreviver em Tarrafal de Santiago”, 1985, “Prometeu”, 1987, “Fábulas de Sanji”, 1988.

A CASA ONDE VIVERAM OS PAIS DE ANTÓNIO JACINTO, EM ALFÂNDEGA DA FÉ
No início do século XX
Nos anos 80 do século XX

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