“Versos não se escrevem para leitura de olhos mudos” [Mario Quintana]

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Leila Jalul*


Bom Conselho
Não dispenso um bom conselho, venha de onde vier, chegue de onde chegar. Como caldo de galinha e prudência, um bom conselho não faz mal. Não dá congestão nasal nem derrame cerebral.
Do alto de sua sabedoria raivosa, um anônimo me mandou ler mais para poder falar sobre política. Não é um sábio e excelente conselho? Não vou esquecer nunca! E mais: vou agradecer eternamente. Até arrisco confirmar que quanto mais se lê, mais se constata que não se sabe nada.
Já expressei minha opinião sobre o anonimato na internet. Também já revelei que falar de política não me agrada. Porém, não somente eu, na condição de mulher inculta, mas todas as mulheres podem, e devem, tanto quanto possível, se arriscar a falar sobre tudo, inclusive sobre outros assuntos particularmente considerados exclusivos do “universo” masculino. Aspeei por entender que o termo é muito amplo quando se quer falar de um “mundinho”. Não cabe a elas apenas o nicho da fofoca que se lhes têm atribuído nem a ideia de que são um fardo, que vivem às custas dos homens.
Começando pelo Futebol, a mulher já está ultrapassando o alambrado e atuando no gramado. Largou o avental e adotou o apito. E se diga que são pouquíssimas as juízas e bandeirinhas que cometem lá suas besteiras. A carreira é nova, afinal. Mas elas estão chegando, cheias de graça. Enfrentam a máfia das federações, dos cartolas e o cerco agressivo dos musculosos em campo. Alguém já ouviu falar em máfia do Vôlei? É meu esporte preferido.
Na política, ui, Jesus! É barra!
Vale contar uma historinha que tive que ouvir calada, imóvel e assustada. Aconteceu num vôo entre Brasília e Vitória, com conexão em Minas. Após o embarque dos mortais comuns, entram uns dez homens de paletó e gravata, exalando uma grande confusão de perfumes franceses. Percebi que eram políticos, mas não os identifiquei, exclusive um, afastado da presidência do PSDB por conta de ter, “supostamente”, recebido dinheiro do valerioduto (é com letra minúscula mesmo. A senvergonhice é minúscula e tem que ser tratada como tal). Este sentou um pouco mais para trás. Só durante a viagem é que veio para perto do grupo. Por dever, inocento–o–o, ô, ô.
Os engravatados falavam alto. Mesmo com as turbinas ligadas dava para quem quisesse ouvir.
O assunto era o que estava então nas manchetes: a CPI dos Correios. Num dado momento eles falavam sobre duas polêmicas e aguerridas senadoras de esquerda. O que se seguiu foi uma sucessão de opiniões difamatórias sobre as posturas e a sexualidade delas, entre outras coisas de baixíssimo “escalão”. O avião decolou. O assunto encerrou. O avião não caiu. Por Deus!
Mulher deve falar sobre política, sim. Deve ingressar na política, sim. Deve romper barreiras, sim. Da casa onde fui criada, sob as bênçãos de uma mulher, saíram uma Ministra da Eucaristia, uma Doutora em Parapsicologia, diametralmente oposta às idéias do Padre Quevedo, uma ex–praticante do Candomblé, um chefe de centro do Daime, um militante da igreja da Renovação Carismática, e eu, uma língua de trapo com muita vontade e muito enxerimento para falar sobre o que quiser, na hora que quiser e onde e com quem quiser, sempre assinando o que escrevo. Na pluralidade de pensares da minha casa, de meus irmãos e amigos, discute-se, sem censuras ou “recomendações indicativas”, qualquer tipo de assunto. Todos temos nomes e sobrenomes. Às vezes “chuta-se o pau da barraca”, é verdade, mas o debate é democrático e sem atalhos. Quem não gostar, pode se retirar. É também permitido. A porta da rua é a serventia da casa.
De puxadeira de saco, não tenho nenhum sinal. O puxassaquismo é um atributo dos pobres de espírito e dos necessitados das esmolas e restos do poder. Estou fora do rol. Meu dote de riqueza espiritual e o grau de minhas necessidades materiais dispensam a pecha.
Quero ler mais, quero ler sempre. De Proust ao Almanaque Capivarol, do Guia 4 Rodas ao meu bom Mário Quintana. Quero reler o que não digeri. Vou reiniciar a leitura do verso da página da folhinha (calendário). O santo do dia tem muita importância. A leitura nos leva ao paraíso ou ao inferno. Vou fazer as pazes com Dante e achar que Adelaide Carraro também é literatura. Afora o Lair Ribeiro e o mestre dos magos e similares, quero ler tudo.
Enquanto tiver visão, vou absorvendo. Quando não mais, alguém lerá para e por mim. Sempre será pouco. Enquanto escrever, ou mesmo que ditando, abaixo estará a minha maior marca: meu nome.
E tenho dito!

[in Das cobras o meu veneno]

Leila Jalul*


[Leila Jalul, é acreana, escritora, com vários livros publicados de contos e crônicas:-COISAS DE MULHER - 1995;  SUINDARA -2007; ABSINTO MAIOR - POESIAS - 2007  e DAS COBRAS, MEU VENENO - 2010.]

Nenhum comentário:

Postar um comentário