“Versos não se escrevem para leitura de olhos mudos” [Mario Quintana]

domingo, 27 de junho de 2010


Paraisópolis
(Diane Padial*)

Os passarinhos, eu não os tenho ouvido

Todos devem estar acuados em algum cantinho verde, descoberto neste território

Hoje tem cavalaria, tem cachorro bravo

O som agora é  papapapapapapapa

Há um pássaro de aço sobre a minha cabeça

Sobre a favela este som que faz a vigília, todo o tempo

Nas entradas, tudo que é camuflado esta explícito

Todos uniformizados

Lá o aço também se faz presente em formato de fuzil

Do céu o som

Dos lados, a imagem do uniforme, o controle

Aqui dentro, uma só  pressão

No peito, na garganta, nos olhos

E no estômago

As pessoas passam olhando para o chão, suas caras estampam a tristeza imposta

A rua que é sempre cheia, com as pessoas de roupas coloridas, está quase vazia

Pouco movimento

Não agüento mais esta máquina na minha cabeça

papapapapapapapa

A cidade Paraíso no seu antagonismo máximo

Contradições, desproporções, uma cadeia ao ar livre,

Contradição...

Os contra e os a favor

Uma garota me diz ao telefone;

"Desculpa, ontem eu não fui à aula por causa da guerra"

Escuto e não  acredito aquilo parece um raio dentro de mim.

A guerra

É isto, olha, escuta ........ papapapapapapapapa

Ele não para

Vigia este povo, esta gente com a pele escura

Esta gente quase nua, vigia, controla

A guerra,

É só isto

Aqui são 80 mil, e o espaço.... só  um pedacinho de chão

assim ....o Paraíso

Paraisópolis,

Todas as pessoas vigiadas, todas as lotações verificadas, cada sacolinha que a humilde senhora carrega tem que ser mostrada, as casas invadidas para averiguações

Humilhação

Por cima, pelos lados, controle, opressão

Debaixo esta a pressão, vai explodir, vem explodindo,

E assim vem aquela força e os meninos vão

Seus atos são vândalos, mas o seu inconsciente não

Traz dentro de si o arquétipo do cabresto, a humilhação, a miséria de seu povo,

Lamentavelmente o seu grito é assim... visceral, irracional, é na paulada, tijolada,

Foram vândalos, marginais,

Os meninos sem escolas, nem estas de mentirinha que a gente conhece eles têm, destituídos de direitos

A pressão cresce e é também um sentimento mesclado, camuflado, que a gente não explica bem

Pressão crescente, desta vez de baixo para cima

Explode em pauladas, tijoladas, incêndios, caos

Atos vândalos

A cidade Paraíso esta em explosão

Razão?????

É a guerra, tia

É a guerra....

Papapapapapapapapapa



[Diane Padial* é paulistana do Campo Limpo, poeta e psicóloga, atua como coordenadora em projeto social de incentivo à leitura e ao esporte na Comunidade de Paraisópolis. É integrante da Expedición Donde Miras e participa do sarau do Binho e Poesia de Esquina.]

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