(ou carta quase póstuma para um amor distante)
Na distância imprecisa, meu amor, ignoramos de nós sequer a latitude.Contudo, provavelmente o mesmo sol cobre nossos corpos ávidos de luz e de acontecer, os mesmo rostos (ou serão outros?) da mesma gente envolvem nossos passos, os mesmos ruídos, o mesmo bombardear de factos e de ideias, a mesma música flutua em nossos cabelos, o mesmo vento nos impele na busca de horizontes claros e do mar, cheiro de algas penetrante, doçura do pôr do sol e das tempestades na barra.
FRAGMENTOS DE UM DISCURSO AMOROSO [2]
(ou carta quase póstuma para um amor distante)
Como serás tu que imagino mais do que recordo – a memória traz consigo também o esquecimento, continuando embora memória de gestos repetidos – com quem te encontras, como pensas, que brisas novas suavizarão teu sangue inquieto.Na distância imprecisa que o tempo traz recordo vagamente teu rosto rude e já marcado, a ternura inconsistente e macia da areia deslizando em nossas mãos.
FRAGMENTOS DE UM DISCURSO AMOROSO [3]
(ou carta quase póstuma para um amor ausente)
Encontro fugidio e breve foi o nosso. Belo também da beleza que permanece na memória para além dos dias. Algures tu és, aqui eu sou.Porque imprecisa, a distância se resolve na certeza vaga de existirmos num como e num onde. Tanto basta. [pergunta ou afirmação?] Não há passos que nos aproximem no impreciso e no vago. O nosso reencontro está só na certeza vaga de existirmos com outros, sob o mesmo sol. Melhor assim.
FRAGMENTOS DE UM DISCURSO AMOROSO [4]
(ou carta quase póstuma para um amor distante)
Não, não te interrogues – recordar-me-ás? – sobre os meus comos, os meus porquês, os meus quandos, os meus ondes. De nada te serviria.
Deixa flutuar a lembrança breve e imprecisa também. Permaneçamos no vago.
O que resta do nosso encontro breve é pouco? é muito?
Não sei, não podemos saber — o suficiente para nos sabermos existentes.
Não, não te interrogues – recordar-me-ás? – sobre os meus comos, os meus porquês, os meus quandos, os meus ondes. De nada te serviria.
Deixa flutuar a lembrança breve e imprecisa também. Permaneçamos no vago.
O que resta do nosso encontro breve é pouco? é muito?
Não sei, não podemos saber — o suficiente para nos sabermos existentes.
FRAGMENTOS DE UM DISCURSO AMOROSO [5]
(ou carta quase póstuma para um amor distante)
De amor não falemos. De que serviria dar nome ao que encerra somente o equívoco? Somos e não somos sós. E depois ser só não é ser só. Não estamos sós. Temo-nos um ao outro na distância e na ausência, que são só acidentes e nada de essencial atingem. Temo-nos no que ficou do fugidio encontro, na ternura renovada que nos inventámos ou recriámos. Ou na lembrança.
FRAGMENTOS DE UM DISCURSO AMOROSO [6]
(ou carta quase póstuma para um amor distante)
Tento recordar teu rosto, nome. Curioso, como às vezes nos escapam os traços da pessoa amada. Situo-te num passado já distante. Não te imagino num presente.De ti resta-me o que foste comigo.E foste - me ternura e descoberta do meu corpo, de minhas mãos até então inábeis que ensinaste a acariciar teus cabelos, a sentir teu corpo; e ainda descoberta de que a minha voz tinha um sentido para além de sons mais ou menos indistintos e vagos.
FRAGMENTOS DE UM DISCURSO AMOROSO [7]
(ou carta quase póstuma para um amor distante)
Penso em ti como um desejo interrompido que se teceu na minha memória.E sonho-te mais do que te recordo. Selecciono. Invento-te um nome, um rosto. Reconstruo. Reconstruo-te. Peça a peça. Minuciosamente – real ou irreal,- assim te lembro.
Amélia Pais*
[Amélia Pinto Pais, portuguesa, vivendo em Leiria. Professora e autora de livros e artigos -ensaios literários e de divulgação de autores portugueses para adultos e crianças(um dos quais-Fernando Pessoa, O menino da sua Mãe, já publicado em Junho de 2009 no Brasil pela Companhia das Letras e outro-Padre António Vieira, o Imperador da Língua Portuguesa,com publicação prevista para Junho de 2010 pela mesma editora brasileira. É também autora de uma História da Literatura Portuguesa e de livros de inicação sobre autores portigueses destinados a crianças.
Esporadicamente escreveu alguns(poucos) poemas e, por isso, não se considera propriamente poeta .]
Gosto especial, escolhas especiais de Amélia. Sempre algo de precioso.
ResponderExcluirbeijos
da El